luiza possamai

Cresci com o vazio de não entender o que se passava dentro de mim. O diagnóstico de autismo leve, só receberia aos 18 anos. Ainda me é difícil abordar o assunto. Não quero que me olhem por um espectro. Não quero que me sentenciem “mas você não parece autista. Você sabe se expressar”. Sinto vergonha de imaginar pessoas lendo essas palavras. Mas, cansei de buscar manuais de comportamento: que nem sequer estão escritos. De ensaiar de modo exaustivo na minha cabeça: como eu deveria me portar, me vestir e manter meu corpo para ser pertencente.

Sei que existem muitas outras como eu, várias sequer foram diagnosticadas. O Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) do Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos Estados Unidos, parâmetro que é usado no Brasil, aponta em relatório publicado em 2020: que mulheres representam uma a cada quatro pessoas diagnosticadas com Transtorno do Espectro Autista (TEA). Mas novos estudos mostram que as portadoras do espectro passam muitas vezes despercebidas pois os critérios de avaliação se baseiam no estereótipo comportamental masculino. Somos como um silêncio que grita: prontas a buscar regras a serem seguidas para sermos aceitas. Aprendemos a nos camuflar.

É no seio familiar dos ensinamentos passados em nome da mãe e do pai, que escutei como deveria me comportar. E senti o abismo entre dois universos: aquele que dizem real e o meu mundo particular de imagens/ palavras mentais. Da tensão e estranheza entre estes encontros, adentro em nossas próprias histórias que me descolam para um imaginário rural no sul do Brasil, da própria realidade ficcional, dos próprios micromundos. Como uma rede espiralada.

Quase dez anos depois de receber o diagnóstico de TEA em busca de ordenar a confusão mental que habito: nas fronteiras entre fotografia, literatura, teatralidade e documentação enceno em autorretratos e em imagens textuais o estranhamento de minhas relações comigo mesma, e com meus pais na cartografia de dois mundos que anseiam por se tocar.

Meu nome completo é Luiza Possamai Kons, mas sou também aqueles que não aparecem. Nasci em Assis Chateubriand, em 1993, no oeste do Paraná. Cidade marcada pelo ciclos de produção agrícola e suas consequências. Me sinto como um fragmento de linha dessa terra. Mestre em Artes pela Universidade Estadual do Paraná (UNESPAR), no ano de 2021, e graduada em Jornalismo pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), no ano de 2017. Entendo a fotografia como uma ferramenta política para refletir as relações e os vínculos. Em meu processo de criação discuto: gênero, pertencimento, as relações familiares e as imagens que não foram.