camilla damiao

 

Eu tenho 25 anos de travessia, nasci em um subúrbio do Rio de Janeiro e em um processo complexo de adoção, depois de abrigos viemos (eu e minha irmã) morar em Santa Luzia, região metropolitana de Belo Horizonte. Sempre tive que lhe dar com movimentações de entrada e saída dos espaços ou das vidas de pessoas, isso fez com que um incomodo contínuo marcasse minha trajetória, uma estranha sensação de se sentir um fantasma no mundo.

Junto da tentativa de resgatar minhas memórias vem o processo de cura onde eu me projeto me desenho, me fotografo como num ensaio de afirmação no mundo para dizer que eu sou. Eu não sou nenhuma palavra externa proferida a mim, sou o que como, o que vibro, o que sonho, o que visto, o que gozo, o que canto, o que escrevo.

AUTORETRATO – VISÃO

É um sonho que tive, onde tudo se completava e brilhava. Eu me compreendi como parte de algo muito maior. Com três olhos apenas um permanece aberto enquanto sonha. Meu cabelo imita a Monstera (costela de Adão) assim como a vida imita a natureza. O que aparece no externo da imagem é matéria de um universo.

Único Verso.

IBEJIS

Ficávamos nos olhando olhos nos olhos e sorrindo por cima do ombro dela, e é por isso que a primeira lembrança que tenho é dos teus olhos. Éramos pequenas e apenas os olhos ficavam ao alcance dos olhos, um par de cada lado, dois pares que pareciam ser apenas meus e que ela devia pensar que eram apenas dela. Não sei quando descobrimos que éramos duas, pois acho que só tive certeza disto depois que ela cresceu. (…) Gosto sempre de repensar a nossa história, aquela que já existia muito antes de ser reinventada. Às vezes eu penso que a gente precisamente tem uma alma só. Quando eu era pequena fala que ela me completava, que eu não podia ser eu sem ela também, foi a conclusão mais sensata que a até hoje tive em vida. Você é um pedaço de mim, A única frequência que tenho.

Escrevi uma carta, a(Mar) uma pessoa é saber quem ela é. Você me ensinou o mar. Obrigada.

Na imagem, eu e minha irmã. Como eu a amo…

Fotografia feita no quintal de mãe, em um dia que nós largamos tudo só para passar um tempo juntas. Criei o cenário e coloquei o celular para fotografar em 10 segundos.

PRETO LÍDER – NÓS SOMOS DIVINDADES

Preto líder é Jamael, o homem mais bonito que eu já vi. Bonito seu coração, sua forma de liderar e potencializar os seus, de sorrir e de ser. Eu sempre digo pra ele que quando o vejo penso em Zumbi, em Ogum.

Jamael é um menino homem, morador da favela mais perigosa de Santa Luzia: Palmital (tampa do caldeirão). La ele nasceu e foi criado, com todas as oportunidades possíveis para estar no mundo do crime, fez a escolha certa: ficar vivo e contrariar a estática.

Toda vez que penso sobre isso, vibro em felicidade!

A vida dele é um presente para a comunidade, para mim e todo mundo que o conhece. Ele gerencia um estúdio/produtora de rap, Jamael canta, compõe, modela, produz, dirige e pesquisa.

Escrevendo sobre ele me lembro das inúmeras vezes que sentados em um sofá encima da laje, vendo o pôr do sol, conversávamos sobre sonhos e possíveis projetos.

Recordo do dia que falou que me amava pela primeira vez, foi só uma única vez que ele me disse isso. Não um amor romantizado, é o amor puro e afetuoso. Jamael quase não fala sobre o que ele sente, o afeto ainda é algo distante.

Quando fiz a imagem, estávamos na laje e ele, na hora de ser fotografado virou os olhos pra cima. Quando o perguntei porque ele sempre tirava fotos assim, ele me disse que era uma forma de brincar com a imagem do mundo físico e do espírito ao mesmo tempo.

Como um transe.

Jamel cumpre na minha vida o papel do irmão que me foi separado ainda na infância. Dou graças a sua vida.

DWA

PATERNIDADE E A CURA

Sempre gosto de pensar a cura porque acredito que nosso povo precisa dela. Nossa saúde mental e física é alvo de violência, sujeita a cicatrizes quando se escapa de pagar com a própria vida.

Cura para nossas feridas e por isso gosto de capturar imagens do meu cotidiano, pelos lugares por onde eu passo que me trazem porção de cura.

A imagem paterna para mim é misteriosa.

Meu pai biológico que era Ibejis, foi para Orum sem que eu tivesse a oportunidade de construir na memória o rosto dele. Eu não sei como ele era, só sinto.

Orozino Damião.

Eu nunca vi se quer uma fotografia, mas eu sempre o imagino… O seu cheiro, a textura da sua mão. Fragmentos que constroem uma memória afetiva. Toda vez que vejo a imagem de um pai com uma filha eu lembro de tudo que não tivemos oportunidade de viver juntos.

Na foto, um pai caminha com sua filha na AV. Brasília. Os dois davam risadas e se divertiam muito em um assunto que eu não ouvi. O momento da foto, é quando ele a puxa como uma ação de abraço e carinho. Ela era a criança mais feliz do mundo e eu também.

LÚCIA – A VISÃO DE CURA DE OBALUAÊ

Lúcia, como ela se vê e por isso é, é uma de minhas melhores amigas.

Eu a amo.

Já presenciei muitas situações de violência em direção à vida dela, isso fez com que eu assumisse o papel de proteção, por isso cuido, aconselho, chamo atenção quando preciso e choro junto se for necessário.

A imagem foi feita em meados de agosto, quando eu gravava um material de vídeo para o musico e compositor Tom Nascimento. Produzi um conteúdo sobre Obaluaê, pensava a cura, a morte e o renascimento.

Por nesse momento ter alguém me lendo, me escutando ai do outro lado. A fala, a escrita e a escuta é um processo de cura. Gostaria de dizer também que todas as imagens foram feitas por mim, com uma câmera de celular. Eu amo produzir imagens e vídeos, só que nunca tive a a oportunidade de trabalhar na área. Tenho muitas fotografias na galeria, foi difícil escolher então pensei em pessoa que eu amo muito e em momentos felizes. Obrigada, Dwa!