camila falcão
São Paulo, SP
Meu espaço mental é um território onde ocorrem fluxos de pensamentos, afetos e percepções – território de criação. Ele é fruto de um regime sistêmico, modos de pensar e agir no mundo, disseminados, propagados e multiplicados pelo patriarcado amparado pelo capitalismo. Mas não só. Justo neste lugar, o da criação, imagino outros modos de estar no mundo.
Aquele que escolhe romper com conceitos de gênero atávicos impostos por esse regime é uma pessoa que busca não se sujeitar, portanto acredito que quanto mais o território de criação é reconstruído pelo sujeito, mais essa pessoa é realmente livre. Me sinto perseguida por sensações e comportamentos que insistem em se impor independente do trabalho de reconstrução ao qual tenho me dedicado, e essas inquietações se refletem no meu trabalho.
Quando questionei minha identidade de gênero fiquei confusa mas repleta de novas possibilidades, descobri que sou de fato uma mulher cis, mas não estou disposta a performar comportamentos que julgo pertencentes ao sistema ocidental patriarcal. Hoje me sinto livre para performar a feminilidade que desejo e a explorar minha bissexualidade.

Vivo em uma sociedade machista, misógina, homofóbica, binária, racista e a mais transfóbica do mundo; saber que meu trabalho toca indivíduos de maneira positiva, que ele instiga novas ideias e discussões e que estou contribuindo para a elaboração de estéticas e políticas, que de alguma forma rompem com o sistema já citado, me emociona, faz vibrar e impulsiona o meu trabalho artístico e produção de subjetividade.
Trabalho para que a beleza não tenha padrão, que corpos, formatos e gêneros possam ser igualmente admirados. Mulheres (cis e trans) e travestis são cobradas a se adequarem e performarem padrões que nos mutilam sensivelmente (e muitas vezes, fisicamente), o que me interessa, neste sentido, é a beleza natural a que explicita que se pode abrir mão de artifícios. É importante citar que com isso, crio escapes e alternativas, afrontando padrões de beleza, comportamentos, atitudes e ideias e, assim, acredito que estou dando continuidade ao trabalho de artistas que vieram antes de mim.
Eu não existiria como artista se Nan Goldin não tivesse me atravessado com sua liberdade e linguagem, se Robert Mapplethorpe não tivesse sido subversivo, me mostrando que se pode ser agressivo e ao mesmo tempo refinado e se Diane Arbus não tivesse fotografado pessoas consideradas à margem da sociedade sem qualquer tipo de mistificação. Aprendi com David Armstrong, em dois anos como assistente, a relevância de fotografar pessoas com as quais me identifico subjetivamente, também aprimorei meu gesto artístico. O trabalho de Catherine Opie me estimula a seguir mostrando o que a sociedade não quer ver e a não ter medo da vulnerabilidade.
Artistas contemporâneas minhas como Laia Abril, Deana Lawson, Pixy Liao, Gisela Volá e Hellen Van Meene, cuja potência dos trabalhos dialogam com o meu, fortalecem minha pesquisa, minha criação e indicam que o que eu faço tem sentido.

Minha maior inquietação como artista é poder gerar discussões principalmente sobre gênero e sexualidade, fazer com que pessoas que nunca pensaram sobre isso, ao entrarem em contato com meu trabalho se questionem, e que isso possa estimular pensamentos sobre outras possibilidades além das impostas pelo patriarcado. Acredito ser urgente eliminar o conceito de binaridade de gênero que beneficia a estrutura capitalista e o homem cis, que, da maneira como existe hoje, também acredito que tenha que acabar.
