barbara hellena

corpo casa

casa corpo

corpo asa

viva única sem jeito

habito-me

farta nem sempre forte mas sempre asa

mesmo que

que

 bra

sa

habito-me

sou terra

em chamas

em lágrimas

sou rio

rio forte

rio em mim

de mim

brota

afluente

vermelho

o rio

o riso

devoro-me

me engulo

me cuspo

a t r a v e s s o

o avesso

r

i

o

mais uma vez

me sou.

Corpo Casa

Um cupinzeiro é casa. Casa habitada, casa cheia. Casa construída por muitos. Eu e esta casa, tantas semelhanças.

Terra e fluidos, também os sou. Labirinto de passagens interiores, controle de ar, temperatura, umidade… Também os tenho, também os sou. Casa de asas. Com todas as potências, de cuidar e destruir. Também as sou. Vidas que circulam, calculam, intuem, constroem. Casa de múltiplas vidas, que me habitam, me transitam, me atravessam. Assim sou. E os cupinzeiros, também os são.

No tempo que mora o agora, nossa casa se faz ainda mais valorosa. Mais habitada. E nós, cada vez mais casas de nós mesmos, forte habitação. Sou mulher. Corpo casa. Casa de mim, me habito sem pausa.

Neste autorretrato, traduzo um encontro de casas, distintas e tão semelhantes, abraço esta casa e a casa que sou. Torta, com cicatrizes, bela e doída de mim. Fervilhante. Em busca do equilíbrio perfeito para o funcionamento. Assim como os cupins.

A fotografia que mais me interessa é aquela feita de afetos. Afeto pelo outro, afeto por nós mesmas. No autorretrato, encontro um processo de autocuidado, autoamor, entrega. Me ajudo e reensino o olhar à mim mesma, me re-conheço, me encontro. Durante o processo de isolamento, comecei a desenvolver com mais frequências autorretratos, talvez para, na impossibilidade do diálogo com o outro, gerar diálogos comigo mesma. Foi a minha forma de encontro possível.

No meu dia-dia, uso a fotografia como registro afetivo: da minha casa, dos amores, das luzes que me cercam e das quais acompanho a mudança no correr das estações, das companhias de plantas, animais e nuvens. Moro junto à natureza, com ela me relaciono todos os dias e sempre que aprendo a compreende-la e habita-la melhor, também melhor me habito. Melhor me aprendo. Nos coabitamos constantemente.

Sou fotógrafa, mas também sou arte-educadora e palhaça; essas poéticas atravessam minha fotografia, pois afetam diretamente minha forma de olhar para o mundo. O riso e a educação entrecruzam meus processos de criação e conduzem aos caminhos que percorro nas imagens. Tenho grande interesse na criação a partir de múltiplas linguagens, a partir das muitas que somos dentro de nós e das inúmeras formas possíveis de nos manifestarmos. Pulsação constante. Criar para ser

Habitação

“Bem aventurados os fraturados, porque deixam passar a luz”

Há anos persigo a luz que adentra por entre as falhas das cortinas. A luz que entra através das falhas.

No meu quarto, há sempre uma cortina de renda para que, em algum momento do dia, eu veja o espaço se vestir de luz. Às vezes, o espaço sou eu. Gosto de me vestir assim. Gosto do desenho que dança sobre a pele e reinventa o olhar acostumado. Gosto da poesia que transborda da imagem que se ilumina. Gosto. Das falhas que abrem espaço para a luz.

Múltipla Morada

Aprender a habitar todos os cômodos de mim. Múltipla morada. Corro por todas as partes. Tropeço em móveis antigos. Danço por espaços ainda livres. Outra vez digo: habito-me sem abandono. Sem descanso. Não há férias de mim. Incômodos e cômodos: abro cada um deles. Ilumino tudo que mora. Encontro os cadeados. Frequento cômodos feios mais do que deveria. Me habitar é a única opção. Mas há também tanta beleza. Para além, meu corpo é um buraco grande habitado de muitas saudades. Me abraço em todos os braços que tenho. Quando transbordo, gosto de ser.